sábado, 27 de setembro de 2025

Os objetos, as coleções etnográficas e os museus

 


Por Renato Athias

Fotografia dos objetos da CECEO no Museu do Estado  de Pernambuco

Em um museu, as coleções são como janelas, cada uma contando uma história única através de objetos cuidadosamente selecionados e preservados. Imagine entrar em um espaço onde instrumentos científicos antigos, obras de arte magníficas, mobiliário histórico e uma infinidade de outros artefatos estão reunidos não apenas por sua beleza ou raridade, mas por seu significado profundo como patrimônio cultural.

Cada peça em uma coleção museológica é escolhida com critérios específicos, seja por seu tema, origem ou tipologia. Ao ser incorporada à coleção, ela transcende sua função original, deixando de ser um mero objeto para se tornar um testemunho vivo da história e da cultura. É como se cada item recebesse uma nova identidade, uma nova vida, destinada a ser estudada, preservada e exibida para as gerações presentes e futuras.

As coleções museológicas são formadas com objetivos claros: proteger, organizar, estudar e divulgar o patrimônio cultural. Cada objeto é um pedaço de um grande quebra-cabeça que, juntos, formam uma narrativa rica e complexa sobre cada uma deles. Ao reunir esses objetos, os museus não apenas preservam a história, mas também a reinterpretam e a compartilham de maneiras inovadoras e acessíveis. A diversidade é uma das características mais marcantes das coleções museológicas. De obras de arte renomadas a documentos históricos, de fotografias a artefatos cotidianos, cada item contribui para a riqueza e a profundidade da coleção. E é interessante notar que, ao serem incorporados às coleções, esses objetos ganham um valor imaterial, tornando-se "significantes perpétuos" que podem ser reinterpretados de maneiras diferentes ao longo do tempo.

Assim, as coleções museológicas não são apenas agrupamentos de objetos; são guardiãs da memória, da identidade étnica e da cultura. Elas nos permitem conectar com o passado, entender o presente e inspirar o futuro, desempenhando um papel crucial na preservação e celebração de  herança culturais.

As coleções etnográficas

Em uma jornada de descoberta e preservação cultural, antropólogos(as), museólogos(as), pesquisadores mergulham em comunidades vibrantes, buscando entender e documentar a riqueza de suas tradições e modos de vida. Através de entrevistas profundas e conversas informais com membros da comunidade, eles começam a desvendar as histórias e significados por trás de cada objeto, cada ritual e cada prática cotidiana.

À medida que participam das atividades diárias e rituais, observam detalhes que revelam a complexidade e a beleza da cultura local. Com base nessa imersão, selecionam objetos que não apenas representam, mas também contam a história da vida social e cultural desses grupos. Esses objetos são mais do que meras peças; são testemunhos vivos de uma herança que precisa ser preservada para as gerações futuras.

Uma vez coletados, esses objetos são cuidadosamente organizados em museus, centros de documentação e outras iniciativas culturais. O objetivo é duplo: preservar o patrimônio material e imaterial desses grupos e divulgar suas histórias para um público mais amplo. No brasil, existem diversas coleções etnográficas notáveis, formadas ao longo dos anos. Um exemplo destacado é a coleção etnográfica carlos estevão de oliveira, no museu do estado de pernambuco, que abriga milhares de peças da região amazônica, adquiridas entre 1908 e 1946.

No entanto, o trabalho não termina com a aquisição e preservação desses objetos. Um desafio importante é o mapeamento e a articulação dessas coleções com as comunidades produtoras originais. Essa conexão permite um diálogo enriquecedor e uma contextualização mais contemporânea dos objetos, garantindo que as histórias e significados atribuídos a eles sejam respeitados e valorizados. Ao fazer isso, podemos não apenas preservar o passado, mas também iluminar o presente e inspirar o futuro, celebrando a diversidade cultural que enriquece nossa sociedade.

Memória, cultura e o diálogo contemporâneo nas coleções etnográficas

Em sua essência, as coleções em um museu são mais do que meros agrupamentos de artefatos; elas funcionam como verdadeiras janelas para o passado, o presente e o futuro, tecendo uma história singular por meio de objetos cuidadosamente selecionados e preservados. Conforme explorado por mim, a coleção museológica transcende a função original de cada item, transformando-o em um "testemunho vivo" da história e da cultura. Cada peça, escolhida por critérios de tema, origem ou tipologia, recebe uma nova vida, destinada à preservação, estudo e divulgação, tornando-se um "significante perpétuo" com valor imaterial que pode ser reinterpretado ao longo do tempo. Assim, as coleções não apenas guardam o patrimônio, mas também o reinterpretam.

Coleções etnográficas é marcada por uma profunda imersão em comunidades vibrantes. Pesquisadores e curadores, através de entrevistas e observação atenta de rituais e do cotidiano, buscam desvendar as histórias e significados por trás de cada objeto. Os objetos selecionados, que representam a vida social e cultural desses grupos, são considerados testemunhos vivos de uma herança vital para o futuro.

Uma vez coletados, o objetivo é duplo: preservar o patrimônio material e imaterial e divulgar as histórias desses grupos a um público mais amplo. O brasil abriga coleções notáveis, como a coleção etnográfica carlos estevão de oliveira no museu do estado de pernambuco. No entanto, a tarefa não se encerra na aquisição; um desafio crucial é o mapeamento e a articulação dessas coleções com as comunidades produtoras originais. Essa conexão alimenta um diálogo enriquecedor e garante que os significados atribuídos aos objetos sejam valorizados, celebrando a diversidade cultural.

A discussão se aprofunda ao abordar as questões relacionadas aos objetos indígenas, especialmente os provenientes do alto rio negro, com foco nos  o texto visa debater a circulação dos artefatos, incluindo os chamados "objetos dos encantados" — seres não humanos com os quais os xamãs se comunicam. Esses itens, notadamente os de cunho ritual, integram um universo vasto onde suas diversas dimensões se relacionam com a organização social e a cosmologia de cada povo. Essa temática, que eu já havia denominado como os "objetos vivos" , está em pauta tanto no Brasil quanto no exterior, especialmente no tocante aos processos de patrimonialização e às demandas de restituição e repatriação promovidas pelos povos indígenas. A complexidade desse debate é intensificada pelo emaranhado de legislações nacionais que tratam do patrimônio imaterial. A reflexão se insere na discussão mais ampla sobre colecciones etnográficas, cosmopolíticas de la memoria y pueblos originarios del río negro en los museos , um campo que exige um diálogo interdisciplinar sobre patrimônio material e imaterial.

O tema da restituição ganha uma nova perspectiva com o artigo “coleções etnográficas, povos indígenas e repatriação virtual: novas questões, velhos debates”. Uma notícia sobre o desenvolvimento de um museu nacional do iraque completamente virtual pela google, com o objetivo de disponibilizar as imagens e ideias da civilização para todo o mundo, serviu de catalisador para pensar nas tecnologias que apoiam a devolução de objetos etnográficos. Eu procuro acompanhar essas tecnologias, ligando-as diretamente ao debate sobre a repatriação de objetos indígenas.

Nesse contexto, o capítulo “a ressignificação de um acervo com crescente colaboração dos povos indígenas” descreve as ações colaborativas para a documentação da coleção carlos estevão de oliveira, especificamente as chamadas restituições virtuais, evidenciando um modelo crescente de cooperação entre o museu e os povos indígenas.

Museus etnográficos: abordagens e perspectivas na contemporaneidade sugere a ampliação da pesquisa antropológica com base nas experiências com a ceceo. Outros trabalhos exploram a documentação, como o texto sobre o acervo etnográfico kapinawá da aldeia malhador: notas sobre documentação museológica, que visa a uma construção museal colaborativa para salvaguarda do acervo e preservação da memória kapinawá. Por fim, os “apontamentos etnomuseológicos sobre a casa de memória do tronco velho Pankararu” , em coautoria com alexandre gomes, apontam diretrizes para fortalecer a gestão indígena de espaços museológicos.

Essas abordagens contemporâneas demonstram que, dos museus etnográficos às etnografias dos museus: o lugar da antropologia na contemporaneidade, a preocupação com as narrativas expográficas e o que elas contam a um público distante sobre a cultura de outros povos é uma questão que ressoa desde os tempos de franz boas, exigindo constante reflexão e diálogo.

Capítulos de livro publicados:

Povos Indígenas, objetos xamânicos e os museus

O presente texto tem como objetivo discutir questões relacionadas aos objetos indígenas e sua circulação, abordando também os chamados "objetos dos encantados", seres não humanos com os quais os xamãs estabelecem comunicação, e os artefatos ancestrais. A análise se concentra em objetos provenientes da região do alto rio negro, que historicamente despertaram interesse entre pesquisadores das áreas de etnologia, museologia e patrimônio cultural dos povos originários, dentro das concepções contemporâneas de culturas materiais e imateriais. Capítulo publicado no livro: iby: arte e terra indígena organizado por Bartira Ferraz Barbosa e Tatiana Ferraz

Acervo etnográfico Kapinawá da aldeia Malhador: notas sobre documentação museológica

O objetivo deste artigo é debater atividades desenvolvidas em pesquisas de campo realizadas em 2018 e 2019 na aldeia malhador, tendo em vista a documentação museológica de acervos etnográficos. Trata-se de evidenciar a importância de uma construção museal colaborativa, visando à salvaguarda, à sistematização e ao monitoramento de informações do acervo etnográfico do povo indígena kapinawá, no sertão pernambucano.  Além disso, busca-se verificar como o processo da preservação da memória desse povo e de suas coleções vem sendo realizado pela comunidade da aldeia malhador, mostrando quais aspectos estão relacionados à preservação e à conservação dos objetos, focando na participação comunitária e colaborativa para curadoria das peças e execução da conservação preventiva adaptada para a realidade dos recursos disponíveis. Patrimônio cultural, museus e direitos coletivos de minorias, 2024

Colecciones etnográficas, cosmopolíticas de la memoria y pueblos originarios del río negro en los museos

Este texto busca refletir sobre objetos e artefatos pertencentes aos povos indígenas da vasta região do alto rio negro, que sempre geraram interesse entre aqueles que por ali transitam, antropólogos, pesquisadores de museologia e estudiosos da cultura material e imaterial dessas comunidades. Em geral, todos esses objetos, especialmente os de cunho ritual, fazem parte de um universo muito mais amplo, onde as diversas dimensões de um objeto xamânico se relacionam, por meio de modelos próprios de compreensão, com a organização social e a cosmologia comuns a cada um desses povos.

Athias, renato. 2023. Coleções etnográficas, cosmopolítica da memória e povos indígenas do rio negro em museus. In, espina barrio, a.; corrêa, l.n.; e salvado, p.m. (orgs.), territórios, migrações e fronteiras na américa latina. Salamanca, ediciones universidad de salamanca, pp. 229-247. Isbn 978-84-1311-873-4

A ressignificação de um acervo com crescente colaboração dos povos indígenas

O referido texto é um capítulo do livro em comemoração dos 90 anos do museu do estado de pernambuco que apresenta as ações colaborativa sobre a documentação da coleção carlos estevão de oliveira com os povos indígenas. O capítulo mostra os detalhes destas ações que são na realidade restituições virtuais.

Tempo tríbio - museu do estado de pernambuco 1930-2020, 2022

Museus etnográficos: abordagens e perspectivas na contemporaneidade

A cultura assume uma dimensão central na compreensão das diversas linguagens que os indivíduos e os grupos sociais desenvolvem na atualidade, exigindo, sobretudo, um entendi- mento mais aprofundado não só́ do material, mas também dos objetos etnográficos expostos em museus. A partir dessas dimensões assinaladas acima, existe claramente uma disposição e uma possibilidade da ampliar a pesquisa antropológica nos referidos campos disciplinares que estão relacionados, principalmente, aos objetos de coleções etnográficas nos museus. Nesse sentido, este texto explora as potencialidades de investigações existentes nesses museus com base nas experiências realizadas nos últimos anos com os objetos da coleção etnográfica carlos estevão de oliveira (ceceo) do museu do estado de pernambuco.

A antropologia na esfera pública: patrimônios culturais e museus, 2019

Entre máscaras, maracás, imagens, e objetos xamânicos em museus

Este texto visa apresentar alguns elementos para um debate sobre objetos xamânicos, objetos do mundo dos encantados, que se encontram pratrimonializado em instituições museais. Essa discussão não é nova –, em outro texto chamei de objetos vivos –, e já está em pauta faz algum tempo tanto no brasil quanto no exterior (athias, 2016a), principalmente no tocante aos estudos sobre história dos deslocamentos de objetos etnográficos para museus, e, sobretudo, relacionados a processos de patrimonialização, fazendo eco também com as principais demandas de restituição, repatriação, que estão sendo discutidas, promovidas pelos povos indígenas. Algumas delas com maior sucesso, outras, no entanto, ainda se discute sua viabilidade num emaranhado de legislações nacionais que tratam de patrimonialização, em uso nos museus, de objetos indígenas for- temente relacionados ao patrimônio imaterial de um determinado povo indígena. Vale assinalar que, ao longo do último meio século, mudanças na política cultural e nas realidades acadêmicas nas américas e europa contribuíram para uma reorientação significativa na representação museológica da diferença.

Coleções etnográficas, povos indígenas e repatriação virtual: novas questões, velhos debates

Uma notícia do new york times em 2009 me chamou a atenção e me instigou a pensar mais sobre a questão. Durante uma conferência de imprensa em bagdá, eric schmidt, ceo da google, informou na ocasião que sua empresa estava desenvolvendo importante projeto no iraque, ou seja, um novo museu nacional do iraque completamente virtual, criando imagens das coleções cruciais do museu e colocando-as online4. A frase que ele usou nessa conferência de imprensa foi: “não consigo pensar em melhor uso do nosso tempo e dos nossos recursos do que fazer com que as imagens e ideias da sua civilização estejam disponíveis para todas as pessoas do mundo”. Evidentemente fiquei alegre com esta notícia, pois há alguns anos, em vários lugares do planeta, temos discutido não só essas possibilidades virtuais, mas também o apoio de tecnologias que permitam a devolução de objetos etnográficos. De lá para cá, sempre que posso, tenho acompanhado as tecnologias que permitem desenvolver museus e exposições virtuais – atividade que venho expandindo, como o fato de os objetos da ceceo estarem intimamente relacionados ao debate sobre a repatriação de objetos indígenas para seus lugares de origem. Portanto, este texto procura levantar algumas questões que são fundamentais para o caso do brasil.

Apontamentos etnomuseológicos sobre a casa de memória do tronco velho Pankararu

Nos dias 12 e 13 de fevereiro de 2011 foi ministrada na aldeia brejo dos padres (tacaratu), nas dependências da escola ezequiel dos santos, a oficina diagnóstico participativo em museus indígenas. A atividade teve por objetivo discutir a estrutura e os fundamentos de espaços museológicos geridos por povos indígenas, a partir de princípios conceituais contemporâneos. Desta atividade foi produzido um diagnóstico museológico participativo, de caráter propositivo (gomes, 2011), que aponta diretrizes para fortalecer a gestão indígena da casa de memória. Neste capítulo, de caráter etnográfico e museológico, apontaremos elementos para um debate sobre os museus indígenas, com o objetivo de fomentar reflexões sobre a relação entre os processos de musealização e a patrimonialização de referenciais de cultura/memória protagonizados por povos indígenas, na esteira das atividades da casa de memória.  Em coautoria com Alexandre Oliveira Gomes

Objetos indígenas vivos em museus: temas e problemas sobre a patrimonialização

Este texto procura debater acerca das coisas, dos artefatos indígenas, dos objetos dos povos indígenas da região do alto rio negro, que sempre foram fonte de interesse de todos, não só dos pesquisado- res no âmbito da antropologia, mas também daqueles da museologia ou de estudos sobre cultura material e imaterial dos povos indígenas. Em geral, todos esses objetos e, especialmente aqueles de natureza ritualística, fazem parte de uma compreensão bem maior, onde as diversas dimensões de um objeto xamânico pode ser percebido dentro de modelos próprios que estão relacionados principalmente à organização social e a um entendimento cosmológico comum a cada povo dessa imensa região. No contexto indígena, esses objetos estão localizados e nomeados e se manifestam nas práticas xamânicas específicas de cada grupo das famílias linguística tukano, arawak e nadahupy.

Dos museus etnográficos às etnografias dos museus: o lugar da antropologia na contemporaneidade

 Este texto foi elaborado a partir de questões colocadas em simpósios internacionais (último realizado na 29 RBA em Natal) que merecem a atenção quando discutimos coleções de objetos e museus etnográficos. Esses eventos têm possibilitado avançar nessas questões que estão sendo postas de forma bem aberta por inúmeros antropólogos que participam desses eventos. Um número significativo de antropólogos e museólogos estão preocupados com as narrativas expográficas em museus etnográficos. O que essas narrativas contam para um público distante a respeito da cultura de outros povos, muitas vezes muito longe dos lugares onde esses museus estão abertos e recebendo um público diverso. Questão pautada por cada exposição de objetos etnográficos que se inauguram. Aliás, essa questão vem sendo posta por Franz Boas desde 1907 quando publicou Alguns princípios de administração em museus. Em coautoria com Manuel Ferreira Lima Filho 

Os objetos, as coleções etnográficas e os museus

O estudo de objetos e coleções tem, cada vez mais, expressado a necessidade de um diálogo interdisciplinar, sobretudo com as questões referentes ao patrimônio material e imaterial. Nesse sentido, a cultura assume uma dimensão central na compreensão das diversas linguagens que os indivíduos, e grupos sociais, desenvolvem na atualidade, exigindo, sobretudo, um entendimento mais aprofundado sobre o material e sobre os objetos etnográficos expostos em coleções etnográficas. e sobre os objetos e as coleções etnográficas que fazem parte de acervos museológicos, tendo como pano de fundo a Coleção Etnográfica Carlos Estevão, pertencente ao acervo do Museu do Estado de Pernambuco.

ATHIAS, R.  Os Objetos, as Coleções Etnográficas e os Museus. In: Angel Espina Barrio, Antonio Motta, Mário Hélio Gomes. (Org.). Inovação Cultural, Patrimônio e Educação. 1ed.Recife: Massagana, 2010, v. , p. 303-312.